Enfrentar os Desafios da Atividade de Inteligência

Para os próximos anos, será necessário reconstruir o relacionamento entre a sociedade brasileira e algumas agências e organizações do Governo Federal. Alguns problemas vêm de longa data, outros são mais recentes, mas é necessário enfrentá-los, pois seu acúmulo nos traz o risco de que, no futuro, elas se tornem disfuncionais. Isso é mais visível no âmbito da Defesa, mas é uma tarefa importante também na Inteligência.

Lei nº 9.883/1999, que criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), estabeleceu-a como “órgão de assessoramento direto ao Presidente da República”; mas, apenas 4 meses depois, a MP nº 1.999/2000 subordinou-a ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), situação que, com exceção de um breve interregno em que a ABIN esteve vinculada à Secretaria de Governo da Presidência da República, vige até hoje. Essa subordinação é infeliz, por múltiplas razões: na prática, subordina a atividade de inteligência estratégica às outras responsabilidades do GSI – que, por frequentemente serem urgentes, acabam esvaziando a razão de ser da ABIN; por conta dessas outras responsabilidades, profissionais de inteligência podem acabar sendo alocados para outras tarefas, particularmente a segurança de dignitários, prejudicando a atividade de inteligência propriamente dita; como a coordenação do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que era originalmente atribuição da ABIN, também passou a ser feita pelo GSI, o mesmo fenômeno de subordinação da atividade de inteligência pode espalhar-se para todo o sistema; e, ainda, interpõe-se um outro filtro (e, eventualmente, outra orientação) à obtenção de inteligência pelo Presidente, o que é evidentemente inadequado, independentemente das qualidades do titular do GSI. A subordinação da ABN ao GSI, ou a qualquer outro órgão, não traz nenhum benefício que compense aqueles sacrifícios. O Presidente e a sociedade brasileira serão muito mais beneficiados pela separação entre o GSI e a ABIN, restabelecendo-a como órgão de assessoramento direto ao Presidente e de coordenação das atividades de inteligência federal (atribuição que foi transferida ao Gabinete de Segurança Institucional pelo Decreto Nº 9.209, de 27 de novembro de 2017).

Uma outra prática prejudicial recorrente é a de designar, como Diretor-Geral da ABIN, pessoas provenientes de outros órgãos que também realizam algum tipo de atividade de inteligência – desde sua criação, a ABIN teve 9 Diretores-Gerais, sendo 5 da ABIN, 2 da PF, 1 do Exército e 1 da Polícia Civil de São Paulo. O problema é que, muito compreensivelmente, essas pessoas trazem as perspectivas de seus órgãos de origem (para os quais, presumivelmente, retornarão), que tendem a ser mais específicas, particulares, voltadas para atividades determinadas, o que tende a esvaziar o caráter mais abrangente das atividades de inteligência da ABIN – e, incidentalmente, e de maneira claramente não intencional, inflar a importância da perspectiva particular de um órgão específico, sobrepondo-a às dos demais órgãos do SISBIN (atualmente são 48) – o que pode gerar ressentimento e tornar-se um fator de prejuízo à cooperação e ao bom relacionamento entre os órgãos do sistema. Reitere-se: não é um problema de capacidade, compromisso, dedicação ou qualificação pessoal e profissional, e nem do valor e qualidade dos órgãos de origem, mas sim de perspectiva com que a atividade de inteligência (da ABIN e do SISBIN) é concebida, formulada e executada, e a PNI implementada. Tanto a ABIN quanto o SISBIN funcionarão melhor se a direção geral da ABIN for exercida por alguém que: (i) ou provenha de fora de outros órgãos públicos que realizem atividades de inteligência, como uma forma de trazer perspectivas novas e, eventualmente, de facilitar o relacionamento com outras instâncias – particularmente o Presidente, ou o Congresso Nacional; ou então (ii) provenha da própria ABIN, como forma de aproveitar experiência e competência na produção de inteligência mais abrangente, e de valorizar os profissionais da Agência. A meu ver, a pior opção é a imposição, ainda que involuntária, sobre a ABIN e o SISBIN, de perspectivas particulares, inteiramente compreensíveis e adequadas para as respectivas agências e órgãos, mas insuficientes para a atuação das lideranças políticas de altíssimo escalão[1].

Por outro lado, a legislação referente à atividade de inteligência atribui importante papel ao Legislativo, e em particular à Comissão Mista de Controle da Atividade de Inteligência (CCAI), a quem compete não só a fiscalização da atividade, como também colaborar na própria formulação da Política Nacional de Inteligência (PNI), apresentando sugestões à proposta, antes da sua fixação pelo Presidente. Entretanto, a atuação da CCAI tem sido muito irregular:

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